sexta-feira, 30 de novembro de 2012
Um amor sem volta
Meu primeiro beijo na boca me deu uma lição.
Uma lição que guardo até amanhã.
Apaixonado pela colega Alice. Ambos com treze anos. Cursávamos o último ano do Ensino Fundamental.
Ela não gostava de mim, gostava como amigo. Mas meu amor por ela valia por dois. Amava por mim e por ela. Amar em dobro é dobrar também a própria solidão.
Durante dois anos, guardei o sentimento sufocado. Escrevia cartas e poemas. Redigia bilhetes curiosos e ternos durante a aula. Anotava corações em seus cadernos. Insinuava uma aproximação atrapalhada, apressada. Agüentei no osso seus namoros com caras mais velhos, as confidências e detalhes macabros de suas conquistas.
Uma noite chuvosa, correndo de mãos dadas para chegar em casa, tentei o beijo, emparedei sua cintura debaixo da marquise e ela escapou o rosto. Meu primeiro beijo foi um não-beijo. A chuva me impediu de chorar.
A partir desse encontro, nossa amizade não poderia seguir ingênua. Não poderia nem seguir. Ela me olhava desconfiada. Sempre que uma mulher olha desconfiada nos promove a homem. Não posso esconder o orgulho de ser observado como homem após permanente insistência. Mesmo que seja como homem recusado.
O que não esperava é que ela abrisse a guarda, orientada pelo irmão, que aconselhou:
- Dá uma chance para o menino.
Mandou um bilhete avisando que não viveria sem mim. Convidou-me para ir ao seu apartamento. Seus pais estavam no cinema.
Eu a beijei no sofá. Era mais alta do que eu. Errei um pouco a altura do tronco para encaixar. Um beijo tímido, sem convicção. Um beijo com a língua hesitante. Com os lábios mudos, murchos.
Logo nos despedimos. E fingíamos que nada acontecera. Prometemos ligar no dia seguinte, não mais nos falamos. Nem para acarrear o amor. Mudei meu lugar na classe e sentei ao fundo. Seus cabelos loiros me acenaram longamente.
Eu a amava, mas não fora suficiente. Ela deve ter pensado que ficar comigo era o melhor. Mas o melhor não é o verdadeiro. Não se persuade o corpo com argumentos. Ela desejava me amar por admiração ao amor que eu sentia duplicado. O amor que a tornava Alice do Fabrício. Ela tinha ciúme do próprio amor que nutria por ela e queria tomar de volta.
Meu primeiro beijo na boca me deu uma lição.
Uma lição que guardo até amanhã.
Que o amor não se convence.
Fabrício Carpinejar
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