sexta-feira, 30 de novembro de 2012

A CHUVA, O SOL, AS PESSOAS


ALESSANDRO MARTINS

A chuva cai e cai para todos. O sol brilha e é para todas as pessoas que ele brilha. Coisas simples essas. Verdades cotidianas. Banalidades.
E, se eu dissesse para este que agora passa por mim para que olhe, olhe para a chuva e para de onde ela vem, lá do céu, daquela nuvem, daquela massa compacta e cinza de vapor, ele riria. O banal é risível quando apresentado como algo formidável.
E, para esta senhora, se eu apresentasse estendendo o braço, em um gesto premeditadamente teatral, o astro que, agora, fura a esfera nublada com seus raios, certamente ela acharia que eu fiquei louco. Afinal, é apenas o sol. E o sol é o sol, oras bolas. Tem sido o sol há alguns milhões de anos e assim será por mais alguns.
A certos pedestres a chuva entristece e o sol alegra. Para a maioria. Para outros, o contrário. O sol deprime e a chuva anima. Uma minoria.
Assim somos no breve período em que mantemos nossos pés solidamente sobre o planeta. Certas reações são tão previsíveis que dão dó. Quando se chega a alguma conclusão a esse respeito e decide-se reagir diferente do que todos esperavam, algo acontece.
- Vou fazer isso, pois eles imaginam que eu faria aquilo – diz o mocinho do filme, aquele que eu queria ser quando crescesse.
O olhar pousa com mais calma sobre si mesmo, mas como faria um bovino a se contemplar refletido na água que beberá a seguir, esquece rapidamente das questões anteriores e tudo acontece nos conformes. A orquestra segue a partitura. E o bovino entretido com a água que agora sorve esquece dos dias que passaram e nem pensa nos que virão.
Mas falo da chuva e do sol e das pessoas que encontro na rua porque tenho sido tomado por uma ansiedade, um sentimento que não chega a ser ruim de todo, e não é, pois seu movimento inicial vem de algo bom. Como se, no primeiro lance do jogo de xadrez, o jogador pudesse prever o final.
Diversas vezes eu fui ao cinema e em quantas dessas vezes lamentei ter ido sozinho, pois o filme era muito bom. Saía com aquela sensação, com aquela vontade de que todos o vissem e como um fanático passava a recomendá-lo a quem quer que encontrasse.
Uns iriam vê-lo e não gostariam, outros nem se dariam ao trabalho e outros ainda veriam e sairiam do escuro felizes. Certas amores são uma questão de fé.
Por isso, passei a recomendar, em vez de a quem quer que encontrasse, apenas para aqueles de quem eu mais gostava. E, como um evangelista, levava as boas novas somente a esses. Certos amores são uma questão de egoísmo. É preciso se preservar.
Porém, acabei mudando de assunto.
Eu olho para a chuva, olho para o sol e, sobretudo, olho para as pessoas nas ruas. E tenho isso, essa ansiedade. Que se resume a uma frase.
Eu gostaria muito que cada uma delas encontrasse em alguém aquilo que eu encontrei em você.
E, se eu segurasse a cada uma delas pelos ombros e olhasse em seus olhos e afirmasse o quanto isso é verdadeiro, muitas iriam pensar:
- Mais um.
Não. Não sou mais um. Assim como essa chuva que cai agora não é apenas mais uma chuva e esse sol não é o mesmo sol de há um milhão de anos.
Certos amores são como o amigo invisível dos filmes, que só você vê e, assim que um estranho se aproxima, é como se ele não estivesse ali. E chega a ser uma agonia pois você sabe que ele está presente e o forasteiro parece não ver. Talvez nunca veja.
Certos amores são como hipóteses a nunca serem comprovadas.
Sou o mendigo com manto do rei. Tenho a vontade irrealizável do milagre de que cada um que encontro enxergue o que para mim é mais que um vislumbre. De uma experiência totalmente individual e quase egoísta, de repente, vejo-me a querer abarcar uma humanidade inteira, o sol e a chuva.
Nesse movimento que julgava impossível, nesse salto mortal de costas e de olhos fechados sobre os punhais, faço caber no restrito, o geral.
E percebo que sou, em realidade, o manto do rei que envolve o mendigo.
Pois sei que poucos no mundo têm a chance de viver o que vivo agora, no jogo da pessoa certa e da hora errada, da hora certa e da pessoa errada.
Agradeço cada segundo do que tive até esse instante e que venha a ter a partir dele, com anseios de que cada minuto se desdobre em mil. Seja o tempo um mero jogo de armar.
Neste exato momento, a chuva cai só em mim. O sol brilha só sobre a minha cabeça.

Nenhum comentário: